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Mataram os gatos, os ratos proliferaram e a peste matou muita gente

 

Ilustração de um manuscrito produzido na Bretanha, datado de c. 1430 – c. 1440, retratando caçadores com cães atirando flechas em um gato selvagem em uma árvore 


*Nelson Gonçalves

Ao longo de seis séculos da era cristã, a Inquisição da Igreja atuou de forma bárbara, por influências de crendices conspiratórias contra reis e papas. A história está repleta de pessoas, suspeitas de heresia (teorias consideradas como falsas) que eram interrogadas, julgadas e queimadas vivas nas fogueiras.

Os humanos não foram as únicas vítimas da perseguição. No começo do Século 2, o Papa Gregório 9º emitiu bula papal levantando suspeitas sobre os gatos, principalmente os pretos. Muita gente na Idade Média considerava os gatos como verdadeiras encarnações do capeta. Eles passaram a ser vistos como demoníacos. Talvez daí surgiu a superstição de que gato preto dá azar.

Incentivado pelos líderes e fanatismo político-religioso incomum o povo não demorou para começar a torturar e matar os felinos. Milhares de bichanos foram mortos e incinerados na fogueira santa.

Os gatos sumiram. Para sorte dos ratos, lógico. Sem precisar correr dos gatos, tinham mais tempo para multiplicar. Mal sabiam aquelas pessoas que, ao matar e queimar os gatos, estavam cavando a sua própria sepulta. Isto porque os ratos eram transmissores de uma bactéria, a yersinia pestis, super venenosa, que causava a peste bubônica, que ficou conhecida na história com peste negra. Ela exterminou quase um terço da população europeia. Mais de 200 milhões de pessoas foram infectadas e morreram.

A epidemia se alastrou mais rápido do que rastilho de pólvora. Os gatos, predadores naturais e obstinados pelos ratos, poderiam não ser o remédio, mas certamente ajudariam a controlar a disseminação da peste. Alguns dos motivos para tamanha catástrofe, além da falta de antibióticos e de vacinas, que nem existiam ainda, eram a sujeira e o esgoto que corria a céu aberto. Tinha muita sujeira e os ratos proliferaram levando a doença, o terror da peste negra, aos seres humanos.

A situação, ocorrida 18 séculos atrás, nos remete para a atual discussão ideologicamente politizada por causa das vacinas. Tem gente opinando sobre assuntos técnicos que nada conhecem, impulsionadas pelo ódio de seus ídolos com intenções duvidosas.

As vacinas são preventivas e comprovadamente já ajudaram a exterminar doenças como poliomielite, tétano, coqueluche, sarampo, varíola, rubéola, diferia, febre amarela, hepatite e tantas outras. Sem falar nas que são aplicadas nos animais como bois, vacas e cães. São produzidas por diversos laboratórios, inclusive pelo Sinovac Biotech, chinês que desde 2000, ou seja, há 20 anos, exporta para o Brasil várias dessas vacinas. É muito provável que muitos radicais, que vivem escrevendo ou replicando informações que desconhecem, tenham tomado uma dessas doses e hoje estão vivos para criticar a vacina que o salvou. É hilárico né?

Gregório IX, pintura de Rafael na Stanza della Segnatura, no Vaticano




Uma vala comum de vítimas da peste do início do século XVIII em Martigues, França. (S. Tzortzis , CC BY) 

A GRANDE MORTANDADE : A Peste Negra atingiu a Europa no século XIV, matando um terço da população. Baseado em uma pesquisa que ele próprio realizou, John Kelly apresenta A Grande Mortandade, uma instigante narrativa sobre a peste medieval, partindo de suas origens nas desoladas estepes da Ásia Central varridas pelo vento até sua jornada pelas populosas cidades da Europa. “Finalmente uma história sobre a Peste Negra que presenteia o leitor: vigorosa, rica em detalhes, comovente, humana e cheia de lições importantes para um período em que as armas de destruição em massa se encontram espalhadas entre nós.” (Richard Rhodes, vencedor do Prêmio Pulitzer)


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